Este artigo é parte da nossa nova série "Material em Foco", onde os arquitetos compartilham conosco o processo de criação através da escolha de materiais que definem parte importante da construção de seus projetos.
A Grande Muralha da Austrália, projetada pelo escritório australiano Luigi Rosselli Architects, e selecionada como um dos melhores projetos do ano de 2016 pelo ArchDaily, é um exemplo único de construção em taipa. Com 230 metros de comprimento, a Grande Muralha é a estrutura mais longa deste tipo na Austrália e, possivelmente, do Hemisfério Sul, de acordo com os seus arquitetos. Construída no remoto noroeste da Austrália, o edifício é feito a partir de materiais disponíveis localmente, cujas propriedades térmicas ajudam a suportar um clima variável. Nós conversamos com o arquiteto Luigi Rosselli para saber mais sobre sua escolha do material e do papel determinante que desempenhou em seu conceito de projeto.
Quais foram os principais materiais utilizados no projeto?
Taipa, principalmente, com um pouco de aço corten e concreto.
Em termos de materiais, quais foram suas maiores fontes de inspiração e influência ao definir como o projeto acabaria sendo concretizado?
A paisagem destaque no noroeste da Austrália com o seu solo rico em minério de ferro, dunas de areia e as restrições ambientais e climáticas adversas, serviram como um grande pano de fundo para desenvolver este projeto. A localização remota e isolada do local também exigiu uma solução prática de materiais encontrados localmente. A construção de parede de taipa é composta de argila rica em ferro, areia, que é uma característica dominante do local, e seixos e cascalho extraídos do leito do rio nas proximidades e unidos com água de perfuração local. A laje de concreto contém cascalho e agregados do rio, que emprestam uma cor avermelhada à sua superfície polida. Neste clima quente e duro usar taipa faz todo o sentido, como componente de argila, tem características higroscópicas e o fluxo de ar ao longo da parede absorve a umidade através da evaporação. Este arrefecimento por evaporação reduz a temperatura da parede da mesma maneira que o suor resfria o corpo.
Descreva como a escolha dos materiais levou em conta o conceito do projeto.
O muro de terra com 230 metros de comprimento serpenteia ao longo da borda de uma duna de areia, como um corte natural na topografia, refletindo o ambiente que habita. A parede é um passo para seguir organicamente a curva natural da paisagem, enquanto proporciona um nível de privacidade para cada uma das doze residências enterradas na duna de areia. O uso da taipa, bem como a natureza subterrânea dos edifícios, foi escolhido para manter a temperatura baixa e constante nas residências. Projetadas de acordo com estes princípios de massa térmica, as acomodações representam uma nova abordagem para a arquitetura no noroeste da Austrália: ela se move para longe do sol, com abrigos de metal e esfria formações de terra arquitetônicas naturalmente.
Quais foram as vantagens que esse material ofereceu na construção do projeto?
Com a fachada de taipa com 450 milímetros de espessura e a duna de areia conformando a parte posterior e criando os telhados, as residências têm a melhor massa térmica disponível, o que as torna naturalmente frescas no clima subtropical. A taipa é uma mistura de barro, areia, cascalho e não precisa de qualquer tratamento ou energia intensiva de produção, como tijolos e cimento. Uma vez que o material foi encontrado em estreita proximidade com o local, ele tem relativamente pouca energia incorporada. O telhado é uma estrutura de aço corten espelhada por uma laje de concreto no chão. O telhado profundo é projetado para manter o sol distante durante a parte mais quente do dia e convidar o morador para ir lá fora e desfrutar da brisa fresca da noite.
Houve algum desafio que você enfrentou por causa da sua decisão material?
As disposições de eficiência energética no atual código de construção da Austrália são baseadas exclusivamente na condutividade térmica de um material. A massa térmica e as características higroscópicas não são abordadas. Tivemos que contactar consultores para usar um sofisticado programa de avaliação e simulação, que confirmou a superioridade da massa térmica na construção em terra.
Você considerou quaisquer outros materiais possíveis para o projeto e, em caso afirmativo, como isso teria mudado o projeto?
Na verdade não. Nesta parte do mundo nós precisávamos de massa térmica, de modo que, qualquer outra alternativa envolveria tijolo ou concreto, sendo que ambos teriam de ser importados. No caso da taipa, 90% foi adquirido localmente.
Como você pesquisa e seleciona os fornecedores e empreiteiros para os materiais utilizados em seu projeto?
Nós já tínhamos trabalhado com construções em taipa em Sydney, de modo que o conhecimento tem evoluído por algum tempo com projetos como a Kirribilli House. Os nossos fornecedores e empreiteiros foram contratados localmente: o construtor foi Jaxon Construction,, o empreiteiro de taipa foi Murchison Stabilised Earth Pty Ltd, o consultor estrutural foi Pritchard Francis e o consultor ambiental foi Floyd Energy.
